terça-feira, 15 de setembro de 2009

A face oculta



Como é estranho o desejo de nos exibirmos. Como é difícil a simplicidade e a autenticidade!

A autenticidade é, em si, uma tarefa das mais árduas, ao passo que o desejo de nos tornarmos alguém oferece pouca dificuldade. É muito mais fácil fingir ou representar, mas é extremamente complexo sermos aquilo que somos; e isso, porque estamos sempre mudando, nunca somos o mesmo, e cada instante revela uma nova faceta, uma nova dimensão e profundidade.

Podemos estar certos que somos muito sensíveis e eis que um acidente ou um pensamento fugaz nos mostra o contrário; ou, então, podemos considerar-nos talentosos, cultos, com agudo sentido estético e dignos, mas, de repente, ao dobrarmos uma esquina, percebemos o quanto somos ambiciosos, invejosos, carentes, brutais e ansiosos. Somos tudo isso, de momento a momento, e, no entanto, desejamos a continuidade e a permanência daquilo que nos traga lucro e prazer.

Não podemos ser todas estas coisas ao mesmo tempo, pois cada instante trás consigo algo novo. Portanto, se formos inteligentes, abriremos mão da pretensão de sermos alguém ou alguma coisa.

Deixar tudo isso de lado, libertando-nos da contradição e do eterno sofrimento e renunciar a qualquer forma de preenchimento ou realização pessoal, é o que de mais natural e inteligente nos cumpre fazer.

Mas, para que procedamos assim, para que deixemos de ser alguém, é preciso desvendar a nossa face oculta, expô-la sem medo, a fim de a compreendermos. A compreensão de nossas ânsias e desejos ocultos vem da plena consciência deles, o que é também indispensável perante a morte; desta forma, o puro acto de ver destrói aquela estrutura psicológica, libertando-nos do sofrimento e do desejo de ser alguém.

Saudações

O Viajante


6 comentários:

Anónimo disse...

kkk Hj me saiu a carta da morte!
Jesus já dizia que temos que morrer p nós mesmos...
Como por ironia, deixar de tentar ser alguém é o que nos fará ser nós mesmos. Parece complexo, será?
Bendito sejas!

Viajante disse...

Olá Meri Pellens

A carta da morte significa tanto quanto sei mudança, ruptura com algo, a "morte" necessária ao renascimento.
Quando meditas não pensas que estás a meditar limitas-te a esvaziar a tua cabeça e sentir a ligação orgânica que estabeleces com o Universo.
Apesar de aparentemente radical a determinada altura do caminho tomamos consciência de que está é de facto a verdade: "não ser" para "ser"

Saudações

O Viajante

Marisa Borges disse...

Olá Viajante

poderei dizer que este é até agora e de todos os que li com muita atenção o teu melhor texto (para mim, claro!)

Que poderei dizer que já não tenhas dito?!? Perfeito.

Da minha parte, apenas fica o testemunho de que quando viro a esquina e descubro ainda algo para melhorar, fica sempre a sensação de tristeza, mas depois vem a compreensão e tudo fica claro.
Caminhar traz desafios e todos esses lados ocultos e negros que tenho são para ser vencidos, domados e ultrapassados, cada vez é mais claro!

Beijos amigo

CAMISOLA PRETA disse...

I find self-evaluation to be the hardest thing to do, we are either too tough or too soft on ourselves...
Kisses

IdoMind disse...

Viajante,

Temos psicólogo...
É nisto que acredito inteiramente. Não somos só anjos e é preciso assumi-lo ao invés de combatê-lo vestindo as roupas mais adequadas a cada ocasião.

É a velha história: sem o preto não há branco.

fantástico este post.Andas inspirado...Parabéns

beijos meu Viajante

Vânia Vidal disse...

"O Vazio da forma, a forma do vazio".

A renúncia é a perfeição do amor, e só através dela podemos nos libertar e atingir o outro nos diz a velha sabedoria do Tao e doce chantagem da experiência...

Esse texto está perfeito, belíssimo.

beijos grande, Francisco.
Vânia