terça-feira, 15 de setembro de 2009

A face oculta



Como é estranho o desejo de nos exibirmos. Como é difícil a simplicidade e a autenticidade!

A autenticidade é, em si, uma tarefa das mais árduas, ao passo que o desejo de nos tornarmos alguém oferece pouca dificuldade. É muito mais fácil fingir ou representar, mas é extremamente complexo sermos aquilo que somos; e isso, porque estamos sempre mudando, nunca somos o mesmo, e cada instante revela uma nova faceta, uma nova dimensão e profundidade.

Podemos estar certos que somos muito sensíveis e eis que um acidente ou um pensamento fugaz nos mostra o contrário; ou, então, podemos considerar-nos talentosos, cultos, com agudo sentido estético e dignos, mas, de repente, ao dobrarmos uma esquina, percebemos o quanto somos ambiciosos, invejosos, carentes, brutais e ansiosos. Somos tudo isso, de momento a momento, e, no entanto, desejamos a continuidade e a permanência daquilo que nos traga lucro e prazer.

Não podemos ser todas estas coisas ao mesmo tempo, pois cada instante trás consigo algo novo. Portanto, se formos inteligentes, abriremos mão da pretensão de sermos alguém ou alguma coisa.

Deixar tudo isso de lado, libertando-nos da contradição e do eterno sofrimento e renunciar a qualquer forma de preenchimento ou realização pessoal, é o que de mais natural e inteligente nos cumpre fazer.

Mas, para que procedamos assim, para que deixemos de ser alguém, é preciso desvendar a nossa face oculta, expô-la sem medo, a fim de a compreendermos. A compreensão de nossas ânsias e desejos ocultos vem da plena consciência deles, o que é também indispensável perante a morte; desta forma, o puro acto de ver destrói aquela estrutura psicológica, libertando-nos do sofrimento e do desejo de ser alguém.

Saudações

O Viajante