domingo, 22 de fevereiro de 2009

A Contemplação


Pois para que o mundo saiba que na Ilha Terceira de Jesus Cristo no arquipélago dos Açores, fazendo jus a uma tradição que já muito antiga, existem pessoas, como o caso do autor do texto abaixo, que num jornal local plantam na mente de todos os que os leem as sementes do um futuro pensamento ocidental menos enredado nas teias que os sistemas económicos foram tecendo


Saudações


O Viajante


A CONTEMPLAÇÃO
"A alienação capitalista na qual vivemos atolados insinua ser a contemplação preguiça, o que é falso. Ela também não é descanso: o descanso é uma necessidade física e a contemplação uma urgência espiritual. O ser humano é, por natureza, capaz de espiritualidade, viverá aquém das suas capacidades se não corresponder a este apelo.
Deve distinguir-se, ainda, entre contemplação e oração; a oração é, em parte, contemplação, mas a contemplação não carece de ser religiosa. Basta ser racional para precisar de contemplar. Antes do Cristianismo, a Grécia filosófica referiu-se ao ócio como via para atingir o «Conhece-te a ti mesmo».
Desesperados com o trabalho imoral, os ocidentais viram-se para técnicas orientalizantes de contemplação, esquecidos da tradição ocidental neste campo. Acontece ser esta troca fatal: o Oriente, em regra, usa a contemplação para esvaziar a interioridade de toda a marca individual, o que é o contrário do «Conhece-te a ti mesmo». Procuram o Nada e nós o Ser.
O acto introspectivo não deve parar no degrau psicologista. O «Eu assim, eu assado» está a léguas da paz interior. O luxo da nossa Língua afirma: “contemplar” também é “dar”: «Fulano foi contemplado com uma viagem à lua». O acto reflexivo termina nas mãos.
O exemplo maior de tudo isto volta a ser a Arte, a excelência do trabalho. O artista actual fala da sua “produção”, o que é ser tolo. O produto é o contrário da obra de arte e o artista não é máquina. Precisa de parar para reflectir, como a terra tem seu pousio.
Parar. Olhar o mundo. Escutar o mundo. Ouvir a voz interior.
“Cair em si”.
Ai de nós, colocamos música nas lojas, nas ruas, em máquinas pelos ouvidos adentro.
Temos medo do silêncio.
Asfixiamos." -
Mário Cabral in Diário Insular